Eu não tenho respostas para tudo. Esse artigo partilha apenas opiniões que se forjaram com o tempo e que se basearam na minha experiência de publicação e observação do mercado.

Vocês lembram de quando a Shakira cantava em espanhol a música Piez Descalzos? Talvez nem sejam do tempo antigo dela. A cantora mudou de aparência e, certamente, a sua persona mudou também. Mas será que o seu gosto e anseio por mostrar quem ela é de fato mudou? Eu tenho a minha teoria de que não, ou ela não teria escrito o álbum El dorado. Em 2018, ela fez um show aqui na Bélgica e entrou cantando Estoy Aqui como música de abertura. Quem lembra dessa? Aliás quem a conhece? Eu já ouvi gente dizendo que a cantora é americana… Certamente quem nunca tinha ouvido falar de Shakira antes de ser loira, jamais ouviu Estoy Aqui. E sabe que o público não cantou junto? Shakira nem se importou.

Ok, o que ela tem a ver com o gênero hot e com o mercado no Brasil?

Tudo. Acontece que para fazer o sucesso que ela fez, a cantora vendeu a alma ao diabo. Agora que ela tem a fama, o pessoal sabe que o QI da Shakira é comparável ao do Quentin Tarantino, ou seja: coeficientes intelectuais mais elevados do que a média. Mas ela fez o que teve que fazer para ter visibilidade. Tirar a roupa para que o público prestasse atenção nela, mas vestir-se novamente para que vissem quem ela era de verdade. Cantar Whatever whenever (ou como se chama mesmo aquele hit que a colocou nos tops da parada de escuta?) fez a cantora perder fãs(eu fui uma delas; ok, ela estava linda, mas cadê o rock latino-americano?). A quantidade de seguidores que ela perdeu não era nada comparada à quantidade de fãs que ganhou quando deu ao mercado faminto o que ele queria comer.

Calma, não estou a dizer que também tens que te vender ao sistema. Mas uma coisa é fato: para quem quer ter sucesso como autor, sobretudo independente nos dias de hoje, é preciso estudar e conhecer de frente para trás o mercado da leitura. É preciso dar ao seus leitores o que eles querem ler se quiser um crescimento rápido. Ou deixar a lei da vida agir no crescimento orgânico da sua audiência, mas é mais lento. A escolha é de cada autor.

Sobretudo após aqueles famosos 50 tons, o mercado hot explodiu. Os autores que escrevem esse gênero, simplesmente pegaram rabeta num veículo que já circulava a toda velocidade. Eles não tiveram que fazer muito esforço a não ser escrever uma história aceitável, ter algumas conexões e soltar o livro na natureza. Muitos se profissionalizaram. Acontece que o trabalho do hot já tinha sido trabalhado e organizado por outros autores já consolidados no mundo e no Brasil. Como diria o meu consultor em storytelling: “sexo sempre vende”. Homem sábio e a prova é a Shakira. Foi só mudar um pouco a aparência que a mulher virou fenômeno internacional.

Eu quero atribuir um mérito que eu acho válido. Os 50 tons, (nem vem que você também foi assistir no cinema) teve o sucesso que teve porque expôs um enorme tabu: o sexo sado-masoquista no seio das classes-altas, nos relacionamentos considerados “normais” e entre gente como eu e você. Precisou apenas de um personagem forte, o Grey, interagindo com uma cápsula-vazia que é o personagem da Anastasia. Personagens cápsulas-vazias são, aliás, um truque de marketing que muitos autores comerciais utilizam para ajudar o leitor a escorregar para dentro da história mais facilmente. Quanto aos romances hot, eu nunca peguei um para ler, apenas os clássicos medievais franceses que alguns nerds como eu apreciam. Não tenho ideia se existe no seio de tais livros, um componente transformativo que faz toda boa história, mas se eu posso dar uma luz tênue de esperança aos demais autores: existem outros gêneros tão quentes como o erótico. A fantasia, urban-fantasy, thriller, detetive, horror… Todos eles são presentes no cenário brasileiro, com mercado já consolidado e aberto pelos mestres King, JK Rowling, Tolkien… nem eu que escrevo no realismo-mágico tenho desculpa (a maioria da gente nem sabia o que era ou nem sequer ouviu falar do Saramago antes do Ensaio sobre a Cegueira). O difícil é abrir o cabeção do leitorado brasileiro para novos autores. Daí a importância de educar o leitorado e os escritores em particular para que estes produzam histórias de qualidade.

Por isso, escritor, não se deixe abater. Concentre-se no que você tem para fazer e deixe as pessoas serem felizes. Quem quer ler hot, que leia, quem quer thriller, fáfavor! E se seu negócio é pornochanchada escrita, também vale. Arte é arte. E tem gosto para tudo.

Eu não poderia terminar antes de fazer uma homenagem à nossa amiga colombiana com um trecho da minha música favorita, Piez Descalzos, antes de ela virar amiga da Britney (de quem eu também gostava).

Perteneciste a una raza antigua

De pies descalzos y de sueños blancos

Cumplir con las tareas, asistir al colegio

Que diría la familia si eres un fracasado?

Ponte siempre zapatos, no hagas ruido en la mesa

Usa medias veladas y corbata en las fiestas

Las mujeres se casan siempre antes de 30

Si no vestiran santos y aunque así no lo quieran

Y en la fiesta de quince es mejor no olvidar

Una fina champaña y bailar bien el vals

Y bailar bien el vals.

Shakira, Piez Descalzos

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3 comentários em “O mercado e o gênero hot

  1. O exemplo com a Shakira foi simplesmente perfeito. As vezes precisamos nos encaixar em um determinado molde para ganhar visibilidade, mas isso não significa que devemos nos tornar aquilo. Melhor, a visibilidade pode permitir que derrubamos as vendas impostas pela sociedade.

    Por isso, conhecer bem o gênero do que desejamos entregar, saber quem é nosso público alvo é muito importante.

    Cada detalhe é um processo de crescimento e transformação.

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