A luz em minha vida se apagou.
Estendi as mãos para tatear o escuro e encontrei à minha frente um objeto. Tinha uma superfície lisa e dura. Era roliço em baixo, plano em cima. Estava frio contra a minha mão quente que tremia. Eu não sabia o que era. Tudo estava escuro. Não enxergava.
Acariciei-o sem malícia.
Alguém gemeu ao meu lado.
Explorando a minha descoberta, minhas mãos subiram e desceram.
O que era aquilo?
No auge dos meus oito anos quando tive essa experiência, eu era incapaz de entender. Não tinha tanto interesse naquilo. Como poderia saber o que era?
Mesmo assim, ainda criança, disseram-me que não deveria… que era mal…
Hoje, chegando na trintena, ainda não entendi bem do que se trata, esse ato, esse vai-vem dos adultos, porque no mundo deles é tudo tão confuso.
Ali, naquela sala, não havia fonte alguma de luz. Mas alguém à minha volta suspirava enquanto eu descobria aquele objeto estranho.
Colocando as mãos no bolso, encontrei uma pequena caixinha de fósforos. Acendi um que
queimou até o fim.
O misterioso objeto que tinha nas mãos revelou-se e era um simples espelho.
Olhei para o lado. Eu ouvira o eco da minha própria dor quando o fósforo queimou meus
dedos.
Que mundo é esse que interpreta tudo errado?
Acendi outro fósforo. Ele queimou até o fim.
Depois outro. Também queimou até o fim.
E outro. Meus dedos estavam em carne-viva. E entretanto, eu continuava a brincar com o fogo.
Aquilo era bom, mas queimava. E queimava-me profundo, primeiro nos meus dedos, depois no resto
do corpo até chegar no coração.
Então desejei poder ter uma vela.
Olhei para o chão e lá estava uma. Era virgem, estava vestida de branco. Pronta para o uso.
Eu a peguei e a acendi.
O quarto onde eu me encontrava iluminou-se parcialmente e pude, mirando novamente o
chão, reparar num bloco de folhas caído ao lado de uma pluma que peguei.
Pus-me a escrever.
Segundos depois, o quarto voltou a se iluminar, e eu segurava um livro aberto contendo uma
história que lia para adormecer minha filha.