Você sabia que, ao avaliar a qualidade de um texto, o editor analisa a voz do escritor? Um texto sem voz é como um manuscrito cheio de erros: ele é descartado na pilha de rejeitados. E você, autor, acaba frustrado, mesmo que a sua história seja boa. Neste artigo, explico por que é crucial que um escritor encontre a sua voz e proponho exercícios práticos para ajudá-lo nessa jornada.
O Que Significa Falar de Voz no Texto Escrito?
A literatura é considerada a sexta forma de arte, com raízes na oralidade. A sonoridade literária divide-se em Oralidade e Musicalidade.

Musicalidade
Pense nas formas mais antigas de literatura, como a poesia. Lembra-se das estrofes, das rimas e da cadência? A musicalidade sempre foi uma característica fundamental da poesia, e essas estruturas ajudam a criar a “voz” de um texto. Porém, a musicalidade não se restringe a versos rimados.
Oralidade
Com a evolução da poesia para a prosa, a matéria sonora do texto se tornou menos evidente, mas não desapareceu. A oralidade é um dos elementos que conferem sonoridade a um texto escrito. Quando escrevemos de maneira autêntica, encontramos a nossa própria voz como escritores. E essa voz, que traz o som para o texto, cria uma leitura fluida e envolvente. Em resumo, um texto com boa oralidade é um texto “bem-passado” tanto no papel quanto na leitura em voz alta.
Exercício Para Ouvir A Voz do Autor
Exercício Para Ouvir A Voz do Escritor
Como captar e ouvir claramente a voz do escritor? Esse processo começa com um exercício essencial: a leitura em voz alta. Pegue seu texto favorito e leia-o em voz alta; caso não tenha um, recomendo o seguinte trecho de Rachel de Queiroz. Ouvir sua própria leitura permite que você perceba a sonoridade natural do texto e identifique a voz do autor.
A sonoridade de um texto é um elemento fundamental. Mesmo na leitura silenciosa, as palavras soam internamente, como uma espécie de fala interna que o autor cuidadosamente estruturou para que a leitura fosse prazerosa e fluida. Um dos critérios de qualidade usados por editores e leitores é justamente essa sonoridade, que só se alcança por meio da voz do autor.
“A “INSPIRAÇÃO” NÃO VEM PARA TODOS”, por Rachel de Queiroz
A noção comum que se tem a respeito do escritor é que pessoas excepcionais, nascidas com o dom de escrever bem o belo, são periodicamente visitadas por uma espécie de iluminação das musas, ou do Espírito Santo, ou de um outro espírito propriamente dito – fenômeno a que se dá o nome de “inspiração”. O escritor fica sendo assim uma espécie de agente ou médium, que apenas capta as inspirações sobre eles descidas, manipulando-as no papel graças “àquele” dom de nascimento que é a sua marca.
Pode ser que existam esses privilegiados – mas os que conheço são diferentes. Não há nada de súbito, nem de claro, nem de fácil. O processo todo é penoso e dolorido – e se pode comparar a alguma coisa, digamos que se parece muito com o processo fisiológico – que se assemelha terrivelmente à uma gestação, cujo parto se arrastasse a dor muitos meses e até anos.
Leia mais: Exercício Para Encontrar A Voz Do EscritorComeça você sentindo vagamente que tem umas coisas para dizer ou uma história para contar. Ou, às vezes, ambas. Fica aquilo lá dentro, meio incômodo, meio inchado (na minha terra se diria como “uma dor incausada), quando um belo dia a coisa dá para se mexer. Surgem frases já inteiras, surgem indefinições que, se você for ladino bastante, anota para depois aproveitar; mas se for o contumaz preguiçoso confia-as à memória e depois esquece. Dentro da enxurrada de frases e de ideias aparecem, então, as pessoas. Surgem com desencarnados numa sessão espírita – timidamente, imprecisamente. São uma cabeça, uma silhueta, uma voz. Neste ponto, com as frases, pensamentos e criaturas (e mormente com o cenário, embora ainda não se haja falado nele), nessa altura, a história já se está arrumando. Você sabe mais ou menos o que contar. Os autores meticulosos, nessa fase dos acontecimentos, já delinearam o que eles costumam chamar de “o plano de obras”, ou seja, um esqueleto do enredo. Se é um romance, o esquema será mais amplo – os claros serão facilmente preenchíveis. A história corre a bem dizer por si. Mas se se trata de teatro, o esquema bem linear é imperioso: aquilo tem de ser como um pingue -pongue, ter um crescente constante, uma economia, uma nitidez…
E então chega um dos piores momentos nessa fase embrionária da obra por escrever. O autor enguiça. Falta-lhe imaginação para desenrolar o resto da história, falta a centelha necessária para criar a situação única, indispensável, climática, que será a tônica do trabalho. E a gente fica numa irritabilidade característica, e numa pena enorme de Deus Nosso Senhor, que é obrigado a dirigir as histórias não apenas de um punhado de personagens mas os milhões de viventes que andam pelo mundo – e se concebe um respeito trêmulo pela divina capacidade de intenção, que tão pouco se repete e tão invariavelmente cria…
Talvez com autores de imaginação rica o fenômeno se passe diferente. É provável que eles, ao contrário de nós, os terra -a – terra, primeiro imaginem um enredo e depois, segundo as necessidades desse enredo, vão criando os personagens e os situando no tempo e no espaço. Aí a sensação criadora deve ser de plenitude e gratificação. Mas esses são os estrelos. A arraia miúda escrevente -ai de nós – é mesmo assim como eu disse: pena, padece e só então escreve.
O Estado de São Paulo, 22 de março 2003.
Como Não Encontrar a Sua Voz
A voz de um texto é um fenômeno natural e próprio. Marguerite Duras, em entrevista (aos 25 minutos), observa que, quando escreve sobre algo que a inspira, o estilo de seu texto já se apresenta pronto, sem necessidade de correções. Voz e estilo, embora interligados, têm diferenças sutis. Neste artigo, vamos focar na descoberta da voz do escritor.
Técnica Para Encontrar A Sua Voz
A técnica que me permitiu escrever meus livros foi a escrita à moda do diário. Esse método não é sobre manter um diário pessoal, mas sim sobre praticar uma escrita íntima e sem pressão. É o que Stephen King chama de “escrever com a porta fechada” em seu livro Sobre a Escrita.
A escrita à moda do diário é uma etapa de préescrita que permite ao autor explorar o seu texto antes de começar a estruturá-lo. É nesse espaço de liberdade que o escritor desenvolve uma conexão profunda com sua história e personagens, permitindo que eles existam de forma autônoma. Esse processo de escrita espontânea canaliza a voz do autor para o papel, sem filtros, mas com autenticidade.
Esse exercício é também uma maneira eficaz de superar o bloqueio criativo. Muitos autores novatos encontram empecilhos para escrever, e a escrita à moda do diário ajuda a abrir a mente e desenvolver a voz autoral, sendo uma ferramenta fundamental no processo de criação literária.
Para explorar mais sobre a técnica da escrita à moda do diário, leia os seguintes artigos:
- Escrita terapêutica
- Como eliminar o bloqueio criativo?
- A voz do autor
- Como confiar na força da sua ideia
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